terça-feira, 10 de abril de 2018

Reforma para o Reino ou reforma para poucos, em preparação para a 98ª assembleia da CBB , parte 2


Não é um bom momento para falar sobre política no Brasil. Todos estamos, aparentemente, com os nervos à flor da pele, defendendo bandeiras de lá e de cá, aproveitando ou não oportunidades para ser a voz da razão e/ou da espiritualidade em um cenário de caos produzido e controlado. Contudo, é possível perceber, como diria Edgar Morin, que pela primeira vez na história temos um destino em comum, como humanidade. Estamos conectados em tudo, em especial, nos aspectos do pensamento e da cultura. Somos uma sociedade conectada. O atual cenário político-social brasileiro afeta todas as dimensões da vida individual e coletiva de alguma forma. Por mais que algumas vezes tentemos negar que o conteúdo do nosso discurso tem a marca dessas conexões, elas atravessam nossas falas e posturas diante dos fatos.
O quanto estamos, como religiosos, conscientes dessa realidade de que tudo está conectado e nos afecta, é difícil dizer. Mas colhemos os resultados desse fenômeno a curto, médio ou longo prazo em seus desdobramentos. Uma decisão aparentemente “inocente” pode ter um efeito cascata que vai do coletivo para o individual e do público para o privado. Decisões que soam bem e razoáveis à primeira vista podem se transformar em um canto das sereias, ou dos sereios, doce no início, mas, inevitavelmente, fatal. Daí a natureza da grande responsabilidade de quem toma decisões para o coletivo. Apesar de um conhecimento limitado ou de uma ignorância voluntária da realidade, há resultados que dirão respeito ao nosso cotidiano, que podem controlar nossas experiencias e a forma como vivemos. É assustador pensar nisso!
Que algumas decisões institucionais ou coletivas podem modificar a nossa vida. A nossa vida! Para melhor ou para pior.
O cenário maior com o qual nos conectamos enquanto religiosos diz respeito a uma onda ultraconservadora. Alguém diria, que ótimo! No entanto, essa onda costuma recuar em conquistas fundamentais de grupos não-hegemônicos, isto é, grupos comumente ausentes na distribuição de privilégios e direitos e que, após um tempo de luta e organização, conquista estes privilégios e direitos. Movimentos ultraconservadores são os que, em geral, desejam retroceder a um tempo no passado no qual suas posições privilegiadas não estavam sob disputa ou compartilhadas de alguma forma.    
Pensando nesse momento no ambiente da religião, em especial, da nossa denominação batista, um nervo parece exposto com a possibilidade de atrapalhar a caminhada pessoal e coletiva. Uma espécie de refluxo ultraconservador, na esteira do que acontece em outras áreas na contemporaneidade. Não é a primeira vez na nossa história denominacional, em nossas terras ou em outras terras americanas, que experiências pessoais com Deus, vivências litúrgicas, formas de organização eclesial, composição étnica da membresia, atualização cultural, seja na presença de instrumentos considerados em um tempo profanos em outros não, seja nas vestimentas pertinentes para homens e mulheres, entre outras questões de costumes e acordos culturais, até a ocupação de ministérios ordenados, como a diaconia, por exemplo, ficam sob o clivo decisório de um colegiado institucionalizado de certos pastores.
Retomando o texto “Um falso Reino”, que inicia essa reflexão preparatória para a 98ª assembleia da CBB, o problema se instala- e preocupa-  quando este colegiado projeta um Reino cujo Senhor não está presente. Menos piedosamente falando, um Reino fake que, inclusive, descarta os processos históricos libertários que identificam a nossa forma batista de viver a fé, assentada sobre o pilar de Jesus de Nazaré, é claro, mas também sobre o pilar da soberania e autonomia da igreja local e sobre o livre exercício dos ministérios no corpo, que é a igreja. Esta forma libertaria é resultante de um processo histórico sangrento, sob luta e sob o signo da resistência a poderes hegemônicos. Não é saudável esquecer que o que somos é fruto desta resistência dentro do próprio cristianismo.
É preocupante, portanto, que o desejo de reformar documentos enseje a oportunidade de recuo nos direitos ou nos ideais do Reino de Deus que norteiam nossa identidade batista.  

continua

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